Ontem dia 28 de abril de 2022 iniciamos uma caminhada: Trekking Ausangate de 4 dias e 3 noites pela empresa FlashPacker, Cusco, Peru.
Estávamos preparados para dias de enormes desafios, inclusive passar 4 dias sem tomar banho. Mas isso, já na primeira noite foi fácil de entender: o frio é tanto na montanha que molhar o pé em água quente e colocar pra fora já dá uma sensação ruim, de congelamento. Além do mais, as casas não tem chuveiro, não tem água corrente, e para aquecê-la só se alpacas ou cavalos carregarem um botijão de gás, assim deixaria a água quentinha, porque energia elétrica também não tem por lá.
Talvez por isso as mulheres estejam sempre de chapéu!
Para isso Pachamama se encarrega de entregar gésiers, com água bem quentinha para um banho eventual. Pachamama= Mãe Terra.
Iniciamos o 1⁰ dia e foi simplesmente espetacular: café da manhã a 4200 msnm com uma neve caindo de levinho só pra alegrar nosso dia e abençoar o início da nossa caminhada.
Fizemos 6,5km em apenas 2h50 a uma altitude de em media 4400 msnm e chegamos ao nosso acampamento em Upis.
Montanha não nos havia pego. Mas sabe como é, Gaúcho precisa de um chimarrão no fim do dia, cafeína as 19h. Ótima combinação para uma noite um pouco cansativa, com dor de cabeça e diarréias.
No entanto foi um ótimo pretexto para sair a noite e ver um dos céus mais lindos que já vimos: cheinho de estrelas super iluminadas. Até a Via Láctea a gente podia ver!
Ao acordar para o 2⁰ dia estava tudo branquinho de geada.
Iniciamos tentando reestabelecer-nos, Débora principalmente, tomando um cafézão da manhã e um cházinho feito por Charlie, para ajudar a reestabelecer o estômago.
Caminhamos em torno de 7 horas (11,8km) no segundo dia. Foi durissimo, muitas subidas. Eram 20 passos e uma paradinha para poder seguir em frente.
Mas na mesma proporção de dificuldade havia beleza. E esse sim talvez seja o verdadeiro significado de gratidão.
Chegar ao passo del Condor (Pucacocha) que está a 4990 msnm e fazer nossa "prenda" (oferenda de folhas de coca a Pachamama), ahhh isso realmente nos deixou emocionados.
Apu Ausangate e Apu Salkantay ficaram com nossas 3 folhinhas de coca e com um desejo que tenho certeza que tinha muito mais do que só pedidos, mas um coração inteiro.
Cada folha fazia referência a um mundo: o dos mortos, o nosso mundo e o mundo dos Apus/Deuses (Serpente, Puma e Condor).
Terminamos nossa caminhada em uma barraquinha quentinha de frente pra Ausangate e seu lago.
Recebidos com um almoço delicioso feito por Charlie, nosso cozinheiro nesses dias, e pelo carinho de Fernando, responsável por carregar nossas coisas e montar nosso acampamento. Fernando vai ficar sempre lembrado por nós por ser um homem de uma força tremenda, com um sorriso lindo no rosto, tímido, e por suas corridinhas para resolver as coisas do acampamento, mas principalmente por ter um coração gigante, que faz a gente se emocionar cada vez que lembra dele. Nunca vamos esquecer da maneira que ele nos ofereceu um prato de comida, ali ele oferecia mais que um serviço, oferecia cuidado e carinho a 2 pessoas que ele conheceu a menos de 2 dias. A montanha é sobre isso, sobre o simples e suas transformações. Sobre o que realmente importa.
Nessa nossa segunda noite houve uma peculiaridade: AVALANCHES. Ausangate explendoroso em todos os sentidos.
Foi também marcada por uma música de Almir Sater: Mochileira, que acabou se tornando também a música deste trekking. (Sugerimos que você escute!)
🎶 Moça eu não vou precisar ler na sua mão Pra saber que você não vai voltar Pra vida maluca Das pessoas, do mundo Das formigas tentando se esconder da chuva 🎶
Pra amanhã, nos esperam 2 passos. Vai ser dificil. De bastante subida. E talvez mais gratificante.
Terceiro dia: Iniciamos a caminha com o modo subida ativado, afinal de cara, já teriamos o nosso primeiro passo do dia para fazer: Paso Ananta (4990 msnm). Caramba, que subida bem difícil.
Foi de passinho em passinho, literalmente. Não havia um ritmo de caminhada, era como dava, como nossa respiração e pernas nos permitiam.
Engraçado que saíamos cedo para iniciar nossa caminhada, e Charlie e Fernando, mesmo tendo que arrumar todo o acampamento, nos encontravam no caminho e nos motivavam: "Falta pouco para chegar ao Paso", e com o olhar víamos eles subindo tão rápido a ponto de os perder de vista.
Depois de umas 3 horas chegamos ao passo. Joaquim, nosso super guia, já estava lá há um tempo, mas comemorava sempre nossas conquistas. "Descansen chicos! A sus tiempos. Un solo camino"
E lá vamos nós, seguimos por mais umas 3 horas até chegar em um refúgio em Anantapata. Quando passaram por lá, Charlie e Fernandinho deixaram café, sanduíche de queijo e torta de maçã, íamos precisar de energia para subir o segundo Paso do dia. Ao chegarmos lá, teríamos 1 hora para descansar. Foi tempo de colocar um colchão no chão e dormir, Débora estava exauta, mortinha com farofa.
Lanchamos e seguimos a diante.
Mais um Paso: Paso Surini. Subimos em Zig-zag, assim parecia um pouco mais fácil. Mas era de 10 em 10 passos morro acima. Elegíamos referências para que pudéssemos avaliar nossa evolução. E finalmente chegamos lá.
Tempo de descansar um pouco e ver nuvens se fechando. Barulho de temporal. Ok. Estávamos prontos para chuva. Tinhamos tudo. Mas não, Pachamama resolveu nos dar os parabéns pela conquista e nos deu de presente uma nevadinha. Iniciamos a descida com pouca neve caindo, mas pelo trajeto ela foi aumentando. Colocamos nossa capas de chuvas, de bolinhas rosas e azuis. Foi incrível, mágico aquela neve. Não podia ter sido mais perfeito.
Seguimos: baixadas e subidas, e antes da última subidinha Fernando foi nos encontrar com seus cavalos, para caso quisessemos subir com eles. Talvez em outros dias Débora adorasse montar aquele cavalo, mas hoje se tratava de chegar a mais uma conquista. Faltavam apenas uns 20 minutos de caminhada. Se foi Fernando com seus cavalos de volta, sem esforço algum.
Já nós, demos o nosso gás final e chegamos em nosso último acampamento.
A nevada aumentou. Estava frio, e mais uma vez tinha um almoço gostoso nos esperando. Nossa cama já estava pronta. Foi o dia que precisamos de mais quantidade de roupas para nos mantemos quentes.
Seve havia se emocionado durante o caminho, Débora estava firme. Não podia se dar o luxo de se emocionar. Tinha que seguir firme para alcançar os objetivos.
Quando fomos descançar em nossas barracas Débora desabou. Chorou incansávelmente. Era difícil controlar todos os sentimentos que se passaram. Um misto de alegrias, superação, de atenção e cuidados. Só sentimentos bons. Desses que no nosso dia a dia temos que fazer força para que eles aflorem. No dia a dia somos duros, insensíveis, não nos permitimos enxergar as coisas simples. Entramos em uma rotina e deixamos que o trabalho e o tempo se apropriem dos nossos sentimentos.
Coisa boa que hoje podemos enxergar as pessoas de um modo diferente. Que podemos ve-las pelo que realmente são, não pela falta de dentes, a sujeira da roupa ou o modo que falam. Vemos com os olhos do coração.
Xixizinho na neve, uma água quente na garrafa pra esquentar o saco de dormir e "cama".
Na manhã seguinte, último dia. Olhamos para fora e estava tudo branquinho. Lindo. De filme. Como escolher tanta perfeição? Acho que Pachamama estava sempre ouvindo nossos corações.
Seve agradeceu aos meninos pelos dias lindos que tivemos. Foi emocionante.
Mais uma subida, um pampinha, outra super subida e chegamos a 5050 msnm. Recorde! Frio, mas com uma vista de tirar o fôlego. Montaña de colores.
Nesses 4 dias andando pelos Andes Peruanos foi possível perceber o quanto esse país é incrível. Nos encantou. Seu povo extremamente cuidadoso, amável. Sua natureza encantadora. Descobertas recentes de paisagense comidas simples e cheias de sabor.
Absolutamente tudo o que uma pessoa precisa para se encontrar, e realmente nos permitiu viver isso.
Descemos mais umas 3 horas para chegar ao nosso último almoço. Baby Alpaca e Pachamanca.
Hora de dar tchau a Fernandinho, ele iria regressar a sua casa. Fazer todo o caminho que fizemos de ida, voltando. Juro que não acreditei, mas ele disse que era tranquilo, que em umas 5 a 6 horas ele faria isso. Subiria os 3 passos, faria os mesmos 30 km que fizemos em 4 dias em apenas 6 horas.
Entramos na Van e voltamos a Cusco.
E desses dias ficaram memórias inesquecíveis e o prazer da convivência com pessoas simples mas de muito valor.
Coração cheio de gratidão pela possibilidade de ter vivido esses momentos.